sábado, 10 de maio de 2014

Ah, Vida Real - parte 3 (final)





17.     O mundo real

Ela continuava olhando para mim. Nossos joelhos tocavam-se de leve.
Seus olhos me diziam: “E então?”
Havia algo semelhante à piedade neles. Não gostei daquilo.
Tinha que esclarecer as coisas logo de uma vez.
– A realidade é que eu não senti nada. Quando eu estava lá no colégio, há dois anos, sozinho com ela, imaginei uma trama para nossas vidas. Tal como esses filmes da tarde. Imaginei especialmente a comoção do público. Os suspiros das mulheres. O sutil gesto de cabeça de aprovação dos homens. E até as críticas. Enfim, eu idealizei deslumbre. O sucesso. A aprovação dos outros.
Suspirei longamente. Agora, a decepção final.
– Mas há três dias, o meu desfecho triunfal chegou e... E daí? Nos vimos. Nos falamos. Ela foi embora. E...?
Olhei para ela.
A piedade saiu porta a fora. 
– Não teve ninguém para aplaudir, para se emocionar ou simpatizar com a minha história. E alguém tem culpa disso? É claro que sim. E o culpado sou eu.
Comecei a falar mais rápido.
– Não foi nenhum sentimento nobre que me moveu aquele dia. E muito pior que isso é o fato de finalmente eu ter percebido que essa atitude não se restringiu a esse capítulo específico. Toda a minha vida eu procurei fazer as coisas como se estivesse sendo observado. Como se tudo não passasse de um filme. Às vezes no papel do herói, às vezes no do vilão, e até como coadjuvante. Querendo sempre impressionar, emocionar e até assustar os espectadores. Espectadores estes que descobri nunca existirem na vida real.
Dei um riso amargo (mais uma qualidade dele).
Olhei para minha querida professora, por quem sentia algo que sabia não se tratar de amor, mas que é bem próximo disso.
– Antes de você chegar, – disse a ela – eu pensava sobre isso e criei uma ilustração nada elegante. Quer ouvir?
Ela simplesmente sorriu.


18.    Meramente ilustrativo

– Fiz da minha vida uma luta contra a realidade. O tempo todo estávamos a poucos centímetros um do outro, estudando os movimentos, tentando antecipar-se. Porém não chegávamos desferir golpes contundentes. Era cada um do seu lado, sem interferir na guarda um do outro.
“Eu estava tão empenhado em não ver a realidade que ergui os punhos na frente do rosto para não enxergá-la. O tempo todo, achei que minha tática era infalível. Uma defesa intransponível. Inabalável. Porém eu estava errado. Já faz três dias que perdi a luta.
Preocupado em não olhá-la nos olhos. Não vi quando a realidade atingiu em cheio um murro no meu estômago, fazendo-me curvar perante a dor, de olhos arregalados, e a vislumbrar seu sorriso zombeteiro. Apenas um golpe. Foi o suficiente para me abalar.


19.    Anestesiando a dor

Terminei minha divagação e confesso que enrubesci.
Acho que levei muito ao pé da letra.
Ela riu.
– Nossa, você é dramático – comentou.
Senti-me um idiota.
– Mas eu entendo você – ela acrescentou com firmeza, ao mesmo tempo em que fora extremamente delicada.
Minha expressão devia estar lhe dizendo: “você só está falando isso para me alegrar”, pois ela disse:
– Realmente nós fantasiamos um pouco às vezes, para ver se a vida fica melhor. Eu mesma já fiz isso. E para ser bem sincera com você, eu também já levei um murro no estômago. Doeu muito, não vou mentir, e por muito tempo, mas passou. Ou pelo menos, a dor se tornou suportável.
O que mais pode haver depois de algo assim, senão o silêncio?
Então, que ele venha!
Ele nos fez companhia durante algum tempo até que eu o dispensei.


20.    Vontade passageira

– Bom, – falei – tenho consciência de que agora tenho que encontrar um objetivo real para mim. Também sei que não aparecerá assim de repente.
A consciência muitas vezes pode ser inconveniente.
Não existe nada mais aflitivo do que estar consciente do seu estado e não poder fazer coisa alguma para mudá-lo. Não porque você não sabe como, mas justamente o contrário: você sabe o que tem de ser feito, contudo não o faz.
Ou porque não consegue. Ou porque não quer.
Só sei que sabia o que queria fazer naquele instante, ali com a professorinha a meu lado.
Queria beijá-la.
Não na boca. Na bochecha rosada.
Um beijo molhado e estalado.
Sentia uma admiração incrível por ela. E carinho.
Não vejo outra coisa que reflita mais carinho do que um beijo.
No entanto, tudo não passou de vontade apenas.


21.    A didática assume

Ouvimos vozes ao longe e passos que as seguiam de perto.
Eu e a professorinha querida nos olhávamos.
Logo, logo a aula dela começaria.
Viria aquele tom didático. Mas original na sua voz e nos seus métodos.
Portanto, era hora de nos despedirmos.
– Eu vou sentar no meu lugar – disse, levantando-me.
Ela fez que sim.
Também se levantou, deu a volta na mesa e se sentou em sua cadeira.
Mais alguns segundos se olhando, de frente um para o outro.
Até que os outros chegaram.
Dois amigos despedem-se.
Professora e aluno se cumprimentam.


22.    Silêncio. O filme vai começar

E óbvio que aquela aula não passou de sons distantes.
Uma gama de pensamentos rondava minha mente.
O primeiro passo para me acostumar com a realidade era admitir que eu não me recuperaria do baque em um passe de mágica.
Não bastavam algumas palavras bonitas.
Definitivamente, o mundo real tem seus defeitos. E é hipocrisia dizer aqui que se tem uma solução para todos eles. É mentira.
Terei que aprender a viver por mim e pelos outros.
Não para os outros.
E essa luta eu travo sozinho.
Mas também havia a professora.
Ela ainda estava na minha frente, falando. Sobre outras coisas não tão importantes agora.
Entretanto eu a via em outro contexto, muito diferente daquele.
Mulher admirável. Companhia agradável.
Real.
Enfim, a minha espectadora.


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